Derecho & Cambio Social

 
 

 

A ADOÇÃO DE EMBRIÕES CONGELADOS: UMA ALTERNATIVA ÉTICO-POLÍTICA

Genival Veloso de França (**)

 


   

Sumário: O autor chama a atenção para o problema da sobra de embriões congelados e aponta, entre outras, a alternativa de sua adoção a casais ou mulheres que por razões médicas não possam ser fertilizadas, mas que podem gestar.

Descritores: Descarte de embriões.  Embriões excedentes. Adoção pré-natal

 

Introdução

            A questão do descarte de embriões congelados continua sendo uma questão muito delicada na reprodução humana assistida quando da fertilização in vitro. Há países, como a Espanha, que permitem o congelamento de embriões durante 5 anos e depois deste prazo obriga sua destruição. Na Dinamarca os que sobram são destruídos logo após a fertilização, sem necessidade de criopreservação. Outros defendem a idéia da doação de embriões para fins de pesquisa, como ocorre nos Estados Unidos e Bélgica. Na Alemanha não se permite gerar mais embriões do que o que se necessita implantar. E, enfim, aqueles que em face de legislação ou sentenças judiciais vêm decidindo em favor da manutenção ou da adoção.

            No Brasil  não há uma regulamentação sobre o assunto, a não ser a Resolução CFM nº 1.358/92, que aponta algumas normas éticas sobre a reprodução assistida. Mas o Conselho Federal de Medicina reconhece em seu Parecer-Consulta CFM nº 23/96, quando indagado sobre o descarte de embriões, que é preciso “promover estudos com o objetivo de aprofundar estudos sobre a necessidade de atualização das referidas normas sobre este e outros questionamentos”.

            Por outro lado há também aqueles que consideram o embrião humano, dede o estado celular de zigoto como um indivíduo da espécie humana, num estágio progressivo que alcançará o indivíduo adulto. Outros entendem que um embrião no estágio de oito células, sem desenvolvimento da placa neural, não pode ser considerado um ser humano.

            Todos sabem que esta questão não é de fácil solução. Todavia exige uma posição rápida capaz de atender aos imperativos das novas técnicas de fertilização e, ao mesmo tempo, preservar o respeito pela dignidade humana. Uma proposta respeitável seria a adoção  de pré-embriões e não a sua simples doação.

            É questão fundamental definir se o embrião humano é "ser humano" ou "coisa"? E, como tal como deve ser tratado dentro da concepção ético-jurídica contemporânea?  Em primeiro lugar, não se diga que esse assunto é de pura especulação, pois ele transcende ao seu interesse meramente teórico. Se a vida humana se inicia na fecundação, na nidação, na formação do córtex cerebral ou, até, no parto, isso é mais uma questão de interesses do que de princípios. Depois cabe aos que admitem seu início nos últimos estágios, (como, por exemplo, na nidação) explicarem que tipo de vida é essa que existe nas fases anteriores.

            Ninguém desconhece o fato de a vida ser algo muito emblemático e, portanto, não pode ter seus limites em simples fases de estruturas celulares. Se o embrião humano é ou não pessoa de direito, parece-nos mais uma discussão de ordem jurídico-civil, que adota os fundamentos da fisiologia humana, embora seja difícil entender como podem existir, entre indivíduos da mesma espécie, uns como seres humanos pessoas e outros como seres humanos não-pessoas.

            A defesa e a proteção da pessoa humana – na dimensão que se espera dos direitos humanos, exige no mesmo sentido e nos mesmos valores, o reconhecimento de todos aqueles que se encontram em qualquer estágio de vida, inclusive no estado embrionário.

            O que se quer chegar, pelo menos, é à condição de ser humano, pelo que isso significa, neste momento de tanto tumulto e de tanta inquietação, e nesta hora em que o sentimento se distancia mais e mais, e quando a indiferença parece ter tomado conta do mundo.

O embrião   congelado

            É parte do processo de fertilização por  meio assistido in vitro que se obtenha  alguns óvulos para fecundação com o espermatozóide, gerando daí os embriões que serão implantados no útero da mulher. Aqueles que não são implantados são chamados de embriões supranumerários e são crio-preservados, com a finalidade de serem implantados numa futura tentativa de gravidez

            Todos sabem - por necessidade de ordem técnica, financeira e emocional -, o que representa a necessidade de se ter mais embriões fecundados do que os que vão ser implantados. Mas, mesmo assim, este é o início de uma longa discussão, em seus aspectos éticos, morais, religiosos e jurídicos. Junte-se a isso a possibilidade de alguém utilizar a fecundação de embriões supranumerários como finalidade de obter células mãe para a produção de clones.

            Não é exagero afirmar que muitos desses projetos de fertilização por meios assistidos não têm outro motivo senão o fomento de programas de experiências e manipulações genéticas centradas na terapia com embriões humanos. Havia desconfiança de que alguns dos programas de fertilização assistida seriam apenas uma “cortina de fumaça” para encobrir os verdadeiros interesses em experimentações, como as de aproveitamento de órgãos para o indivíduo matriz no futuro, escamoteando assim alguns óbices éticos e legais. Se aceito tal projeto, estariam consagrados a “ciência sem limites”, o “canibalismo científico” e o “cobaísmo humano”.

 

A adoção pré-natal

         Seria de excessivo rigor exigir do homem e da mulher que se socorrem da fertilização assistida in vitro a assinatura de um termo onde se estipulasse a permissão para uma adoção deste embrião congelado que sobrou.

            De fato, duas são as opções éticas que se colocam nesta relação: uma seria a de fecundar apenas os óvulos a serem implantados, e com isso não se ter embriões excedentários. A outra seria a aceitação da adoção dos embriões crio-preservados por casais adotantes.

            A verdade é que a produção excedente de embriões para implantação uterina gera sempre algum tipo de problema, seja de ordem técnica, ética, financeira ou emocional.

            A primeira alternativa parece ser a solução mais fácil pois simplesmente não se teriam embriões supranumerários. Mas, em contra-partida em casos de fracasso na implantação dos embriões não se teria a oportunidade de uso dos demais embriões, a não ser começar todo processo desde o início, com todos os custos, inconvenientes e frustrações.

            A segunda alternativa tem a vantagem de se poder contar com outras tentativas de implantação uterina a partir de embriões crio-preservados, e com isso se evitar os custos financeiros e emocionais. Todavia, poderia encontrar algumas objeções dos pais no sentido de não permitirem a adoção pré-natal por parte de outros casais de um dos seus embriões supranumerários.

            Outra coisa: Seria justo manter-se um indivíduo congelado por tempo indeterminado até que alguém decida o que fazer com ele: destruí-lo ou implantá-lo?. Decidir que um embrião humano permaneça congelado por anos e anos, além dos riscos da descongelação acidental é, até que se prove o contrário,  um ato arbitrário e uma conduta eticamente reprovável.

             Acredito ser necessário a estipulação de normas na adoção pré-natal de embriões muitas próximas das existentes para as adoções de crianças nascidas. Antes de tudo, como primeira cláusula, o consentimento esclarecidos dos pais, pessoas capazes civilmente e aptas para entender e considerar razoavelmente o ato que se propõe, isento de coação, influência ou indução. Não pode ser obtido através de uma simples assinatura ou de uma leitura apressada em textos minúsculos de formulários.. Mas por meio de linguagem acessível ao seu nível de convencimento e compreensão (princípio da informação adequada).           

            Se um dos doadores não pode falar por si ou é incapaz de entender ao ato que se pretende executar, esta cessão não deve ser realizada mesmo com a permissão dos seus responsáveis legais.

            Discute-se se os pais doadores devem conhecer a identidade dos adotantes e vice-versa. Há aqueles que advogam a idéia de que não devem saber de suas identidades, como se faz nos casos da utilização de material genético em bancos de sêmen, implicando na condição de que apenas uma pessoa deve conhecer as partes envolvidas: o médico responsável pela operação. Outros acham que na adoção de pré-embriões o fato se passa de forma distinta e deveria se processar como na adoção de uma criança nascida.

             Por outro lado, todos são de acordo que os pais que vão adotar o pré-embrião tenham conhecimento de possibilidade de doenças em crianças geradas por fecundação in vitro através de embriões congelados, da possibilidade de doenças oriundas da herança e até das doenças de transmissão genética que por ventura os pais doadores tenham. A mãe adotante também deve ser informada dos riscos inerentes a ela própria.

            Não seria aconselhável que as normas a serem introduzidas nesta forma de adoção permitissem a seleção de embriões levando em conta o sexo da criança que vai nascer, até porque nestes casos não existiria nenhuma razão para se considerar uma ou outra doença ligada ao sexo.

Conclusões

            Como se viu, a alternativa da adoção de embriões congelados não é uma opção que se apresente como isenta de inconvenientes, pelo que ela implica em seus aspectos  emocionais, técnicos e econômico-financeiros. Entretanto, esta forma de escolha, juntamente com a produção de embriões para uma única implantação, seriam as modalidades que não encontrariam os óbices já apontados. Além do mais seria pela adoção uma forma de se manter vivo o embrião congelado e a possibilidade de se desenvolver e vir a termo.

Por fim, deve ficar bem claro que ninguém pode deter o avanço da ciência e da pesquisa, se ele vem destinado ao bem-estar individual ou coletivo. E que a ciência tenha também, além dos seus propósitos originais, um compromisso com a dignidade humana e com seus justos anseios sociais.


 

NOTAS:

            Do livro Direito Médico, 8ª edição, São Paulo: Fundo Editorial Byk, 2003.


 

(**) Médico, Profesor, conferencista internacional en Derecho Médico, Titular de Medicina Legal  Universidad Federal da Paraíba - Brasil; Profesor Titular de Medicina Legal  Escuela Superior de la Magistratura, Paraíba - Brasil; Vice-Presidente de la  Sociedad Brasilera de Medicina Legal; Socio Fundador y  Miembro de la Junta Directiva de la  Sociedad Iberoamericana de Derecho Médico. Profesor Visitante Universidad Estadual de Montes Claros - Minas Gerais - Brasil. Autor de diversos libros y publicaciones en materia de Derecho Médico. Presidente Honorario de la Sociedad Brasilera de Derecho Médico(SODIME)

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