Derecho y Cambio Social

 
 

 

SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO:
O JUSTO MEIO A PARTIR DA CONCEPÇÃO DE ARISTOTELES

Daniela Braga Paiano (*)

Maurem Rocha (**)


   

 

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

 

É consenso que o nosso futuro está ameaçado. Os principais problemas encontrados hoje se concentram no desmatamento, pobreza, mudança climática, extinção de espécies, crise da dívida, destruição da camada de ozônio e outros.

A velocidade com que as mudanças ocorrem traz problemas cujas conseqüências não temos ainda condições de mensurar. Nunca os seres humanos alteraram seu ambiente físico com tamanha rapidez. Os sinais destas mudanças são visíveis: desgastam-se os sistemas naturais onde a terra se sustenta, assim como se desgastam os sistemas políticos, econômicos e sociais que dão base ao mundo.

Dos problemas acima citados destacamos a pobreza como o fator mais alarmante nos dias atuais. A faixa das pessoas que se encontram na pobreza, sem atendimento das necessidades básicas, alcança a maioria absoluta do planeta.

Vitta lembra que apesar dos esforços, temos, todos os dias, notícias de que o homem vem degradando o ambiente, ao mesmo tempo que países, especialmente os de menor envergadura política, por causa de sua economia precária e dos problemas sociais que os afligem, não conseguem barrar os excessos, e nem mesmo punir os culpados pelos danos ambientais[1]

A pobreza, dessa forma, é uma das principais causas dos problemas ambientais no mundo. Em função disso, é inútil tentar resolver o problema da preservação sem atacar as bases de cada nação, buscando fornecer a seus habitantes as condições básicas de saneamento e sobrevivência digna e, num investimento a longo prazo, educação no seu sentido mais amplo e genérico.

A forma mais eficaz para preservar o meio ambiente é por meio de ações de combate à pobreza. Problemas estes que devem ser atacados na sua raiz. Isso pode ocorrer através de campanhas de alfabetização, principalmente das mulheres para que possam educar seus filhos e também participarem da vida de suas sociedades; campanhas para o planejamento familiar, para que habilitem as famílias a terem menos filhos; projetos para fornecer saneamento básico e assistência médica elementar.

O investimento para que as camadas mais pobres tenham acesso à moradia, alimentação, assistência técnica, educação tem apresentado um custo elevado se comparado com o do combate à poluição, mas, pode-se dizer que a longo prazo traz resultados muito mais eficazes.

O problema da dívida externa dos países de terceiro mundo com os países ricos faz com que os investimentos nos programas supra mencionados sejam menores. A carência de recursos dos países pobres, atrelado ao fato de pagarem aos países ricos valores mais altos do que aqueles que recebem como ajuda, praticamente anula qualquer possibilidade de aumentar os investimentos nessas áreas.  

O Relatório Nosso Futuro Comum, produzido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, tem o princípio do desenvolvimento sustentável como ponto central, definido como o atendimento das necessidades do presente sem o risco das gerações futuras não poderem atender o indispensável.

Para eles, o fracasso na tentativa de interação entre a destruição dos recursos e o aumento da pobreza vai acelerar a destruição ecológica global.[2]

E esse foi o ponto de partida para inúmeros debates relacionados ao que esse desenvolvimento significa para diferentes setores da sociedade. E, principalmente, quais as conseqüências para a vida de cada um, sob uma visão mais abrangente e não tão imediatista.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente tem como objetivo apresentar a razão pela qual o desenvolvimento sustentável é necessário para a sobrevivência do planeta. Com base nisso estabeleceremos uma reflexão à cerca de onde estaria o ponto de equilíbrio entre a sustentabilidade e o desenvolvimento.

Aristóteles, nesse sentido, ao estabelecer o que seria a justiça, traçou também um plano do que seria a injustiça. Só a partir daí, conseguiu definir o que ele entenderia como justo meio, ou seja, quando haveria uma solução suficientemente justa, que possibilitasse a coexistência de ambas e que fosse aceita no meio como tal.

E é por isso que hoje, pergunta-se: É possível o desenvolvimento sustentável? Existe esse justo meio para que possamos viver em harmonia com nosso ecossistema?

 Essa é a pergunta que procuraremos abordar em nosso breve trabalho, sem obviamente esgotar o assunto, buscando apenas situar o problema socialmente e apontando, senão soluções definitivas, pelo menos caminhos a serem trilhados, almejando o sucesso nessa constante batalha pela vida.

 

1. ASPECTOS SOCIAIS E CULTURAIS

 

Desenvolvimento e sustentabilidade, em princípio, parecem termos antogônicos, que permanecerão em eterna incompatibilidade. Carregam em si aspectos controversos, com características fortes e muito bem delineadas.

O desenvolvimento lembra o progresso, a riqueza, a prosperidade. É insaciavelmente almejada por países pobres e em desenvolvimento, como um troféu ou uma carteira, que lhes dará acesso ao mundo novo, ao mundo próspero, rico, ilimitado.

A sustentabilidade, por seu turno, traz consigo a pecha da proibição, do entrave ao desenvolvimento. Acarreta àqueles que procuram o desenvolvimento a qualquer custo, a responsabilidade por seus atos inconseqüentes. É um fardo consideravelmente pesado.

A sustentabilidade, elevada a categoria de princípio de direito ambiental, é definida pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas como “aquela que atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”[3].

Visa, portanto, o uso racional da natureza, fazendo com que não haja um desequilíbrio ecológico que cause danos às gerações posteriores ou conseqüências irreparáveis em nosso planeta.

Milaré[4] ousa afirmar que “no princípio do direito ao desenvolvimento sustentável, direito e dever estão de tal forma imbricados um no outro que, mais do que termos relativos, são termos recíprocos, mutuamente condicionantes. Daí a legitimidade, a força e a oportunidade desse princípio como referência basilar do Direito ao Ambiente.”

Pode-se dizer, em outras palavras, que a nossa sociedade não se limita às gerações presentes. Porém, somos responsáveis pela propagação da nossa espécie no Planeta, não só no aspecto biológico como também no social, no sentido que preparamos o mundo para as próximas gerações.

              Através dessa consciência ecológica, começa-se a crer que “a utilização racional dos recursos naturais passa a ser uma questão de sobrevivência para as gerações atuais e futuras. Todo o planejamento, a partir de então, deve ser concebido a longo prazo.”[5]

Portanto, depende de nós a manutenção dos recursos naturais que são esgotáveis, a fim de que também a vida, sob todas as formas, tenha continuidade em nosso Planeta.

O desenvolvimento é permitido, mas de forma planejada, sustentável, para que os recursos hoje existentes não se esgotem. Segundo Celso Antônio Pacheco Fiorillo[6], o Princípio do Desenvolvimento Sustentável tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com seu ambiente.

A busca pelo equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e os recursos naturais exige um planejamento prévio que leve em conta não só o crescimento social, mas também a esgotabilidade dos recursos naturais.

 

2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL X PROGRESSO

 

O termo “desenvolvimento sustentável” representa em nosso contexto a exploração adequada do meio ambiente, a menos agressiva, a que é feita de forma com que não se comprometa à manutenção da existência da espécie natural, tanto no plano presente quanto para o futuro. Essa idéia surgiu em 1987 com o relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas, ganhando fortalecimento com a ECO 92[7].

Rehdinberg sustenta que o significado do princípio do desenvolvimento sustentável, de forma geral, envolve os seguintes aspectos:

Econômico, social e cultural do desenvolvimento da sociedade que preencha as necessidades presentes sem tirar das gerações futuras a possibilidade de preencher a delas. Sustentabilidade exige a preservação das funções ambientais como a base fundamental para a existência do homem e da economia.[8]

 

Tendo em vista que o conceito de desenvolvimento sustentável envolve não apenas aspectos puramente econômicos, mas também social e cultural, é necessário que se analise como deve ocorrer este desenvolvimento, de forma sustentável, sem prejuízo da conservação do meio ambiente.

Num primeiro ponto, é necessário abordar o problema do desenvolvimento, diferenciando-o de progresso, para, a partir daí, analisar-se o que vem a ser o desenvolvimento sustentável e os aspectos a ele relacionados.

Muito embora no senso comum o termo desenvolvimento seja usado como sinônimo de progresso (até mesmo na bandeira do Brasil vê-se o termo ordem e progresso), eles são distintos e a interferência do Estado nas sociedades será de maior ou menor intensidade, dependendo do grau de desenvolvimento desta sociedade. Dessarte, conforme apontado por Lourival Vilanova:

 

O desenvolvimento requer planejamento, interligação das variáveis sociais (melhor, sociológicas), recursos financeiros e econômicos, investimentos que ultrapassam a capacidade econômica dos particulares, ação racionalizada (planejamento), direção do progresso, em vez de espontaneidade do livre jogo dos fatores econômicos, e vontade ou decisão de mudança.[9]

 

 O desenvolvimento em determinado local não ocorre de forma simples, sem se ter em conta os aspectos sociais e culturais. Para se instalar uma empresa, deve haver um planejamento econômico, questionando-se o que, como e para quem produzir, acrescido da finalidade social da empresa.

Desta forma, a fim de que se promova o desenvolvimento de determinada região, é necessário verificar, antes da instalação desta empresa, quais os costumes daquele lugar no qual ela será instalada; quais valores estão inseridos nestes costumes; o nível educacional e o que pode ser feito para melhorar a qualidade de vida daquele povo; os dados climáticos; fenômenos econômicos tais como preços, câmbio e crédito. Ainda, deve ser feito um estudo local, inclusive de impacto ambiental, para que a indústria possa ser recebida pela comunidade. Não é suficiente a mera instalação de uma indústria, principalmente porque demandaria um alto investimento financeiro e, neste mundo globalizado, ninguém quer sofrer perdas em seus investimentos.

Ocorre que, este planejamento econômico depende de decisões estatais. Por isso, Vilanova aponta que é o Estado quem tem melhores condições de assumir a empresa do desenvolvimento global, integral, racionalizado, uma vez que tem de haver uma política de desenvolvimento, constituída por uma política educacional, econômica, populacional, financeira, de crédito e tributária, ou seja, uma política de decisão de investimentos[10]. É o Estado que será o responsável por essas tomadas de decisões. Mas não que seja o Estado o grande empresário dos tempos modernos, não é esse o sentido. É no sentido de que cabe ao Estado a responsabilidade de realizar um planejamento para o desenvolvimento de determinada região, buscando trazer a instalação de uma indústria que atenda ao perfil cultural daquele lugar.

Na contramão do que foi exposto, quando uma indústria é instalada em determinada região, com benefícios fiscais e subsídio do governo, sem, contudo, ter uma obrigação em contrapartida, pode-se afirmar que ocorre o progresso (e não desenvolvimento) daquele local. Ou seja, a indústria é instalada, gerando empregos e estimulando o comércio local. Todavia, se essa empresa necessitar de um determinado grau de formação acadêmica para suprir seu quadro funcional e tiver sido instalada em uma região carente, os empregos ali gerados não serão destinados à população local. Terá de ser contratado mão de obra qualificada, vindas de outras localidades, para poder desempenhar as tarefas necessárias, restando apenas serviços com baixa remuneração e geralmente de caráter braçal para a população local.

Ilustrando o exposto, a matéria trazida pelo jornal Folha de S. Paulo[11], destaca que grifes de luxo e globalizadas estão produzindo seus produtos em fábricas instaladas na periferia de Fortaleza bem como em cidades vizinhas. Isto vem ocorrendo devido à mão de obra barata e a à localização geográfica do Ceará, próxima à Europa, com a existência de dois portos na cidade. O preço da calça lá confeccionada gira em torno de U$$ 12.00 (doze dólares) para as grifes, sendo vendida nas lojas por um valor ao redor de U$$ 600.00 (seiscentos dólares), enquanto que o salário das costureiras, que recebem por produção, não ultrapassa R$ 500,00 (quinhentos reais) ao mês.

Conclui-se que esta região pode ter atingido o progresso, mas não logrou alcançar seu desenvolvimento. Por isso a importância do Estado para fazer um planejamento e direcionar o desenvolvimento regional. Caso contrário, a população local continuará sendo explorada por grandes empresas e marcas, recebendo salários ínfimos enquanto o lucro das empresas são exorbitantes.

No mesmo sentido, Nusdeo esclarece que desenvolvimento econômico não pode ser confundido com crescimento econômico, que se aproxima da explanação trazida acima diferenciando desenvolvimento de progresso:

 

A rigor, o conceito de desenvolvimento econômico distingue-se do conceito de crescimento a partir de sua maior amplitude, que abrange não somente crescimento econômico como melhora de índices sociais. Vale dizer, país desenvolvido não é aquele cujo PIB é superior a algum nível arbitrariamente definido, mas aquele cujos índices sociais apontam o acesso da grande maioria da população a padrões aceitáveis de moradia, saneamento, educação e saúde[12].

 

 

Feita essa diferenciação, a fim de se chegar ao conceito de desenvolvimento sustentável, seguindo o pensamento da autora supra citada, é uma exigência aproximar economia da preservação do meio ambiente.  São requisitos essenciais para o desenvolvimento da sociedade moderna: a) ciência; b) tecnologia (fundada na ciência); c) um mecanismo controlador do processo do desenvolvimento econômico.[13] Este último está ligado ao planejamento a ser elaborado pelo Estado. Afirma Vilanova que o processo de desenvolvimento neste País, “cujos problemas excedem as órbitas estaduais, municipais e regionais, e o desenvolvimento se verificar em termos globais, conjunturais, sem distorções setoriais, locais ou geográficas, só o Estado central (União) tem condições de fazê-lo[14]”, de forma que, a intervenção do Estado na economia se faz necessária a fim de amenizar os desequilíbrios por ela ocasionados.

 

2.1 Principio da Precaução

O direito ambiental trouxe consigo esse princípio tido como inovador. A partir daí, o direito tomou outro rumo assim como também a responsabilidade e a sustentabilidade no âmbito do direito ambiental. Sua denominação - princípio da precaução - traz em si o somatório de todas as expectativas tidas em relação ao meio ambiente, uma vez que suprime a necessidade da certeza científica em relação às conseqüências para o impedimento dos atos que por ventura possam interferir no meio ambiente.

Ele está presente desde os anos 70, ao lado do princípio da sustentabilidade e do poluidor-pagador, tem como principal objeto a evitabilidade do dano, ou seja, a sua não ocorrência. Sua atenção está voltada para o momento anterior à consumação do dano – o de mero risco. Pode-se dizer que, diante da pouca valia da simples reparação, sempre incerta e, quando possível, excessivamente onerosa, a precaução é a melhor, quando não a única solução.[15]

Postergar é adiar, é esperar pelos resultados, vindo a agir somente diante de situações concretas. A precaução age no presente, para que não tenha essas conseqüências futuras. Ela vem de encontro à prostração, à falta de ação. Ela se materializa na busca por uma segurança do meio ambiente e pela continuidade da vida. Sua ação no tempo certo justifica a sua existência.[16]

A articulação mais comumente conhecida e empregada deste princípio é encontrada na Declaração do Rio, a qual estabelece que, havendo ameaças de danos sérios e irreversíveis ao meio ambiente, a falta de certeza científica absoluta não deve ser usada como razão para se adiar a adoção de medidas economicamente viáveis destinadas a evitar ou reduzir os danos ambientais em questão.[17]

Refere-se a Declaração do Rio supramencionada ao princípio 15, que assim prevê:

De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

Nesse mesmo sentido, o Preâmbulo da Conversão sobre Diversidade Biológica de 1992 preleciona que a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar medidas para evitar ou minimizar essa ameaça.

Ainda no âmbito formal, é importante salientar que esse Princípio acabou inscrito na legislação pátria através da “Conferência sobre mudanças do clima”, acordada pelo Brasil no âmbito da Organização das Nações Unidas, por ocasião da ECO 92, sendo ratificada pelo Congresso Nacional no Decreto Legislativo 01, de 03 de fevereiro de 1994.

Partindo para um aspecto mais prático, no entendimento de Machado, ressalta-se que a implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes ou males. O princípio da precaução visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e a continuidade da natureza existente no planeta. A precaução deve ser visualizada não só em relação às gerações presentes, como em relação ao meio ambiente das gerações futuras. [18]

O princípio da Precaução é uma avaliação do bom senso. Ele está voltado para a evitabilidade do prejuízo ambiental sério ou irreversível nas situações de incerteza. A premissa é de que onde existe incerteza ou ignorância concernente à natureza ou extensão do prejuízo deve haver cautela.[19]

Com fundamento no artigo de Eckard Rehdinber[20]: “Precaução e sustentabilidade: dois lados da mesma moeda”, extrai-se que o princípio da precaução tem o intuito de policiar a exploração do meio ambiente, feito para assegurar um grau adequado de conservação e proteção, bem como o surgimento recente do princípio do desenvolvimento sustentável, na qual o autor busca analisar se o segundo princípio se sobrepõe ao primeiro ou se eles são complementares. Entende que o termo precaução é muito ambíguo e de difícil definição, tentando conceituá-la da seguinte forma: “a prevenção de um dano iminente em uma situação onde o dano ambiental já aconteceu e pode acontecer no futuro, mas onde devido a falta de conhecimento suficiente com a relação causa e efeito, é impossível atribuir o dano a determinadas substâncias.”[21]

É exatamente aqui que a sustentabilidade e a precaução se encontram: na preservação e continuidade da vida. São conceitos que devem andar juntos e cujo respaldo é expresso através dos artigos 1º, 3º, 170 e 225 da Constituição Federal de 1988.

 

2.2. Os Artigos 1º, 3º, 170 e 225 da Constituição Federal de 1988

 

É necessário que se faça uma interpretação conjunta dos dispositivos constitucionais indicados nos Arts. 1º, 3º, 170 e 225, de modo que se possa alcançar a dimensão harmônica dos seus conteúdos. Sobre o assunto:

 

Referidos princípios constitucionais mostram que não pode haver conflitos na própria Constituição Federal entre os princípios por ela abarcados e, sim, a análise valorativa desses princípios no sentido de aplicá-los de forma razoável e equilíbrio para o desenvolvimento equilibrado, equacionado com o meio ambiente.[22]

 

Verifica-se que o Art. 1º da Constituição Federal traz os fundamentos da República Federativa do Brasil, instituindo um Estado Democrático de Direito, no qual todo o poder emana do povo, exercido de forma direta ou indireta por meio de seus representantes escolhidos pelo voto. Tem como um de seus objetivos a garantia do desenvolvimento nacional. Ou seja, o povo escolherá seu governo e este terá a obrigação de promover o desenvolvimento da Nação. Cabe ao Estado desenvolver um planejamento objetivando o desenvolvimento regional. Mas de que forma isso pode ocorrer? O desenvolvimento nacional, previsto na Constituição, é um dos objetivos da República, conforme já afirmado; é um objetivo permanente, registrado em termos normativos, de forma indeterminada, por isso, pode-se afirmar que é uma política de Estado, está no plano da União (que não deve ser confundida com política de governo). É por meio de ações afirmativas, de políticas públicas que se poderá alcançar o desenvolvimento. O planejamento é um instrumento fundamental, são diretrizes que por sua vez se positivam nos planos e se efetivam em políticas (ações) econômico-sociais de responsabilidade estatal.

O dispositivo constitucional do Art. 170 indica os princípios que regem a ordem econômica. Mais uma vez os valores enunciados no Art. 1º e 3º (valorização do trabalho humano, dignidade humana, justiça social) são lembrados para que ficasse claro que o particular pode explorar a atividade econômica, sem, contudo, desrespeitar os valores inseridos nestes dispositivos, e trazendo outros a serem respeitados. Segundo Ribeiro e Ferreira, o Art. 170 da Constituição Federal de 1988 é finalidade – e não fundamento – da ordem econômica. Serão limitadores da atividade econômica.

Inserido no inciso VI do Art. 170 da Constituição Federal vigente está a defesa do meio ambiente e no inciso VII a redução das desigualdades regionais, de forma que, “a proteção ambiental e o princípio democrático devem pontuar a busca pelo desenvolvimento econômico e redução das desigualdades sociais e regionais no exercício da atividade econômica pela livre iniciativa ou pelo Estado.”[23] Conforme aponta Nusdeo, deve-se conciliar as dimensões econômicas, ecológicas, sociais e políticas para que se alcance o desenvolvimento sustentável, devendo acontecer uma efetiva participação da população para que se alcance a concretização do princípio democrático.[24] No mesmo sentido Ribeiro e Ferreira: é necessário que se busque a realização de três situações: crescimento econômico, qualidade de vida e justiça social para se chegar ao desenvolvimento sustentável[25]. Neste contexto de mundo globalizado, vivenciado pela quebra de paradigmas e propondo-se novos modelos a serem seguidos pela sociedade moderna ou pós-moderna, a interpretação adequada aos dispositivos constitucionais que tratam da ordem econômica e financeira deve se dar no sentido de que, a exploração pela atividade econômica, a busca pelo lucro, pelo desenvolvimento econômico só será legítima se não ferir ou impedir a busca dos princípios que tem por objetivo a justiça social. Tratando-se do meio ambiente, que não ultrapasse os limites de uma exploração sustentável, para que não se comprometa a qualidade de vida e nem mesmo a própria vida.

Por este novo contexto é que Ferreira informa que os empresários devem primar pela ética da empresa e por sua função social por serem elas “diferenciais de indicar ao empresário como agir corretamente, maximizando o efeito das ações positivas, assegurando a empresa permanecer no mercado de maneira mais humanizada, menos patrimonializada e de forma equilibrada”[26]

Tudo isso se faz necessário para que o dispositivo previsto no Art. 225 da Constituição Federal atual não caia no vazio. Se não se conciliar os itens acima mencionados, será impossível garantir qualidade de vida sadia e um meio ambiente ecologicamente equilibrado as gerações presentes e quem dirá as futuras.

Muito bem exposto por Canotilho[27], em publicação recente, o artigo “Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada.”  O autor traz a idéia de que: “1. O Estado constitucional, além de ser e dever ser um Estado de direito democrático e social, deve ser também um Estado regido por princípios ecológicos; 2. O Estado ecológico aponta para formas novas de participação política sugestivamente condensadas na expressão democracia sustentada.”[28] Nesse contexto, relaciona o Estado Constitucional ecológico à idéia de justiça intergeracional e de direitos de futuras gerações, chamando a atenção do leitor para que não analise sistemas jurídicos de forma isolada, mas em nível de sistemas jurídico-políticos internacionais e supranacionais, para se alcançar um modelo, padrão de proteção ao meio ambiente de forma global entre as nações. Denomina comunitarismo ambiental ou comunidade com responsabilidade ambiental, a necessidade da efetiva participação dos cidadãos em defesa ao meio ambiente, por isso o título do artigo.

Enquanto o homem não entender que a sua liberdade de exploração da atividade econômica tem como limitador os princípios fundamentais, dentre eles o respeito ao meio ambiente saudável, ele comprometerá não apenas sua própria existência como também, via de conseqüência, as das próximas gerações. Por este motivo, não pode colocar sob risco de extinção vidas, seja que espécie for, pois são bens de interesses difusos e coletivos.

 

3. O JUSTO-MEIO DO DESENVOLVIMENTO

           

Não é suficiente a conscientização dos indivíduos, a existência de uma legislação rigorosa e eficaz e até mesmo a obediência aos princípios constitucionalmente previstos. É preciso que todos esses elementos sejam visto em consonância com nossos sistemas econômicos e políticos, já que não é possível simplesmente parar o desenvolvimento humano em virtude destes mesmos interesses.

Essa visão de todo, completa, encontra o seu melhor caminho no meio-termo, ou, no dizer de Aristóteles, no justo-meio, que é um intermediário entre uma espécie de ganho e uma espécie de perda nas transações que não são voluntárias.[29]

A origem do termo justo-meio é exatamente a busca pelo equilíbrio, sem que um lado fique com uma parte muito grande daquilo que é bom e o outro, com uma parte muito pequena, o que é injusto.[30]

Estabelece-se, a partir daí, uma associação do justo-meio a tudo o que é justo, igual. Representa a eqüidade. No nosso caso, o equilíbrio entre a ambição e a sobrevivência. Entre a ganância e a vida. Entre o justo e o injusto.

Essa é a ordem: a busca de um caminho possível. Haverá sacrifícios de ambos os lados. Haverá dificuldades e muitos obstáculos. O justo-meio é um ponto difícil de ser encontrado. Um caminho tortuoso a ser percorrido. O ser humano não tem facilidade em abdicar daquilo que entende como seu. A propriedade faz parte de seu individualismo, compõem a sua segurança. O homem precisa de garantias.

Porém ao garantir o seu patrimônio, a sua individualidade, deixa de garantir seu futuro, perde a garantia da sua própria vida.

São essas seguranças que estão em jogo. O que importa é pensar a partir delas, buscando o justo-meio para o desenvolvimento e o ambiente.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Face às diversas transformações que o mundo tem passado, acarretando mudanças das mais diversas ordens, gerando crises, quebra de paradigmas, inversão de valores, dentre tantos outros, novas posturas são exigidas para que se possa enfrentar tais problemas;

Uma destas novas posturas a ser adotada é a que volta seus olhos para a proteção do meio ambiente, cenário que tem sentido os reflexos dessas transformações, mostrando que os erros cometidos pela humanidade em busca do progresso têm um preço, e caro.

É ponto pacífico que o meio ambiente equilibrado é essencial a própria sobrevivência humana, de forma que, se o homem não controlar a degradação ambiental, ele estará pondo em risco sua própria existência.

A busca pelo uso racionalizado dos recursos naturais é que trará o ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e meio ambiente.

A sociedade deve buscar não o seu progresso, mas, conforme acima exposto, o desenvolvimento, de forma planejada, para que se possa efetivamente crescer, desenvolver, de forma igualitária, equilibrada e não uns em detrimento de outros.

Destacam-se os princípios que visam possibilitar a chegada ao tão almejado desenvolvimento, respeitando-se o meio ambiente, são eles: princípio da precaução, sustentabilidade e do poluidor-pagador; por meio deles almeja-se evitar o dano, incutindo na sociedade o dever de respeito ao meio ambiente, ou, se ocorrido, que se transporte o dever de pagar pela reparação apenas a quem o ocasionou.

O desrespeito a tudo que foi exposto, fere diretamente princípios constitucionais base da República, e não pode ser aceito pela sociedade.

Por fim, a busca pelo ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento e a preservação do meio ambiente, é necessária e devida, para que se possa alcançar um desenvolvimento planejado, que respeite os princípios constitucionais, incentivando-se o crescimento, o desenvolvimento, sem, contudo, ultrapassar os limites de um meio ambiente saudável, que possa por em risco a própria existência humana. Apenas desta forma é que se poderá alcançar o justo meio almejado, em última análise, pela própria sociedade.

 

REFERÊNCIAS:

 

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CANOTILHO, J. J. G. Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada. In: FERREIRA, Heline Sivini e LEITE, José Rubens Morato (org.). Estado de direito ambiental: aspectos constitucionais e diagnósticos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

 

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VITTA, Heraldo Garcia. O Meio Ambiente e a Ação Popular. São Paulo: Saraiva, 2000.

 

 


 

NOTAS:

 

[1] VITTA, Heraldo Garcia. O Meio Ambiente e a Ação Popular. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 1.

[2] Comissão Mundial sobre Meio Ambiente. Nosso Futuro Comum. RJ: Fundação Getúlio Vargas, 1991, p.3.

 

[3] Comissão Mundial sobre Meio Ambiente. op. cit., p.46.

[4] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 123.

[5] SOFFIATI, Arthur. Ecologia: reflexões para debate. São Paulo: Paulinas, 1988, p. 85.

[6] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 31.

[7] NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Desenvolvimento Sustentável do Brasil e o Protocolo de Quioto. In: Revista de Direito Ambiental, n. 37, ano 10, jan. – mar. de 2005. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 144.

[8] REHDINBER, Eckard. Precaution and sustainability: two sides of the same coin? (precaução e sustentabilidade: dois lados da mesma moeda?). In: DERANI, Cristiane (org.).  Transgênicos no Brasil e Biossegurança – Revista de Direito Ambiental Econômico, n. 1. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005, p. 25.

[9] VILANOVA, Lourival. Proteção Jurisdicional dos Direitos numa Sociedade em Desenvolvimento. In: Estudos Jurídicos e Filosóficos. v. 1. São Paulo: Axis Mundi IBET, 2003, p. 468.

[10] Idem, ibidem, p. 469.

[11] FOLHA DE S. PAULO. São Paulo, domingo, 13 de novembro de 2005, p. A1 e B8.

[12] NUSDEO, op. cit., p. 146.

[13] VILANOVA, op. cit., p. 476.

[14] Idem, ibidem, p. 487.

[15] MILARÉ, op. cit., p. 118.

[16] MACHADO, Paulo Affonso Leme. O princípio da precaução e o direito ambiental. Revista de Direitos Difusos. Ano II, v. 8. IBAP. 2001. p. 1083.

[17] SAMPAIO, José Adércio Leite; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio José Fonseca. Princípios de Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 17.

[18] MACHADO, op. cit., p.1082.

[19] Idem, ibidem, p. 1087. 

[20] REHDINBER, op. cit., p. 19. 

[21] Idem, ibidem, p. 22.

[22]RIBEIRO, Maria de Fátima e FERREIRA, Jussara S. A. B. N. O papel do Estado no desenvolvimento sustentável: Reflexões sobre a tributação ambiental como instrumento de políticas públicas. In: TÔRRES, Heleno Taveira (org.). Direito Tributário Ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 659.

[23] NUSDEO, op. cit., p. 147.

[24] NUSDEO, op. cit., p. 147.

[25] RIBEIRO, M. F. e FERREIRA, J. S. A. B. N., op. cit., p. 655.

[26] FERREIRA, Jussara S. A. B. Nasser. op. cit., p. 50.

[27] CANOTILHO, J. J. G. Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada. In: FERREIRA, Heline Sivini e LEITE, José Rubens Morato (org.). Estado de direito ambiental: aspectos constitucionais e diagnósticos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 3-16.

[28] Idem ibidem, p. 3.

[29] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret: 2004, p. 112.

[30] Idem, ibidem, p. 110.

 


 

(*)  Mestranda em Direito com área de concentração em Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social pela Universidade de Marília/SP.

(**) Mestranda em Direito Público pela Unisinos/RS.

 E-mail: mfat@sercomtel.com.br

 


 

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